segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Ilídia Batista Lopes, "pra quando Nossa Senhora me chamar..."

                                                  Ilídia Batista Lopes

 
Entardecer de sexta-feira em São Gonçalo do Rio das Pedras.
Cumprimento Lucília, o seu irmão Geraldo, e vou logo perguntando:
_ E a sua mãe, Lucília, a velha está boa? Tive noticias dela caminhando
pela vila, carregando alguns paus de lenha...
_ A mãe num tem jeito, Lori, é só descuidar e ela estando aprumadinha,
escapole mesmo! Num é que ela foi lá no terreno... Mas tudo desculpa,
o que ela queria mesmo era ver o Joaquim! Eu já falei pra ele, num
faz isso com a mãe, num fica muitos dias sem vim vê a velha...
As mães, como são iguais, ocê num acha? E olha que'u sou mãe...
Concordo, peço licença e vou adentrando pela casa...
Oh de casa! Cadê a velha da casa? Dona Ilídia!
_ Nossa, mas a senhora, hoje, está toda colorida! O lencinho verde...
O cabelo branquinho... Uma blusa azul, a outra rosa, a pele morena,
a saia preta... Olha só, até o terço, quantas cores... Estou gostando de ver,
quanta elegância! É verdade, pode rir, é muita elegância mesmo!
_ Pois é, meu filho, fico arrumadinha assim, pra quando Nossa Senhora
me chamar, eu já tôu pronta, ela num vai ter que me esperar...
E eu vou feliz pro colo dela...

Lori Figueiró





Seu Bernardo, Bernardino Lopes de Caldas

                                               Bernardino Lopes de Caldas


Leivina Ferreira Nunes 
e Bernardino Lopes de Caldas

Bernardino Lopes de Caldas 
e José João Batista

Evangelina Gonçalves Soares,
Bernardino Lopes de Caldas 
e Aleila de Caldas Moreira

Bernardino Lopes de Caldas 
e o Grupo de Roda Luz que Brilha













As imagens acima foram captadas em São João Marques, Chapada do Norte,
em 27 de julho de 2014. Muitas vezes, quando nos encontravamos,
Seu Bernardo, como gostava de dizer, me saldava assim:

Oi Lori, coração de bala doce
se eu pudesse eu te levava
por todo lugar que eu fosse.

Aquele dia não foi diferente, e durante a viagem para São João Marques,
a prosa correndo solta, a alegria expressa nos gestos e no jeito matreiro
de sorrir, Seu Bernardo contou casos e fasanhas, e cantou inúmeros versos,
entre eles:

Ocê disse que não me quer
eu também não faço empenho
nem bonita ocê num é
nem dinheiro ocê num têm.

Que morena bonitinha
couro de jacu com pena
seus cabelos é quem me mata
suas cores é quem me condena.

O dia correu solto, muitas alegrias, muitos encontros, o compromisso
de me apresentar aos amigos e familiares, a fé, as benzenções, a cantoria
com o Grupo de Roda Luz que Brilha, a poesia do querer bem da vida,
os encantamentos... No finalzinho da tarde, de volta a Ribeirão de Areia,
a noite principiando, uma confissão em forma de versos, no riscado da palavra:

Lori, eu fico muito satisfeito,
por isso, ocê sabe, eu tô do meio
pro fim, mas eu só deixo de cantar
quando eu não aguentar mais
e os companheiros não alembrar de mim.

...


Lori Figueiró






Bernardino Lopes de Caldas

Recordo Seu Bernardo,
Bernardino Lopes de Caldas,
no contente da vida me confessar:
eu não tenho gosto de aprender as coisas
que não são boas, Lori,
mas as coisas que Deus deixou,
eu gosto de praticar.”
Era manhã de um azul arranhado de nuvens
em Ribeirão de Areia. A luz inundava o curso
seco das águas... O sentido misterioso
da vida cumpria o seu dever de tecer
e atar, sutilmente, os laços que me prenderiam
ao Mestre. Hoje, grato aos seus ensinamentos,
aceno com as minhas mãos,
na certeza de que ali, ou quem sabe lá,
nas outras paragens, ele
matreiro, cismando sutilezas,
os dedos na viola, o chapéu vistoso,
recrie em versos os riscados da vida,
os bordados do amor,
poetando...

_ Senhor, eu sei que ela está aqui,
veio muito antes de mim
e é para ela, meu Pai,
que eu quero me declarar,
é para ela os meus versos:

Eu vou cantar meu nove
Nas asas de um canarinho.
Que morena bonitinha
Do nariz afiladinho.

Que morena bonitinha
Do nariz afiladinho.
Se seus braços é uma gaiola
Eu vou ser seu canarinho.”

_ Eu tô muito satisfeito é por isso, meu Pai,
aonde eu cheguei não tem tristeza
e se tiver, eu passo a espora
e mando embora!


Lori Figueiró



É preciso lembrar, meu caro Lori Figueiró. Só assim os que foram ganham a presença 
que a memória possibilita, pois ninguém morre quando permanece vivo no dizer do 
coração dos homens. Só morre aquele de quem precisamos esquecer: a esses é 
reservado o silêncio frio do esquecimento. Abraços.

Edson Nascimento Campos



"Vale: vida", no Museu Casa dos Ottoni, Serro.


















quinta-feira, 24 de setembro de 2015