Geraldinha parteira, D. Gera. Assim é conhecida a Sra. Geralda
Martins Soares de 73 anos, mãe de 10 filhos, residente no município
de Jenipapo de Minas.
Mulher de fibra que dedicou sua vida a favor da vida. Parteira
tradicional, descendente de uma linhagem de parteiras. Herdou de sua
mãe essa nobre missão.
Filha de família pobre que serviu aos grandes proprietários de
terra no povoado de Granjas. Como afrodescendente e órfã de pai,
não teve uma vida muito fácil. Trabalhou nos serviços mais
rudimentares da fazenda: lavoura, moagem, torragem de farinha e
outros.
Na flor da idade, 15 anos, conheceu o Sr. Francisco Rodrigues Cardoso
com quem se casou e teve 07 filhos. Muito sofreu com o alcoolismo do
marido que usava de violência para com a família.
Sofrimento tamanho que chegou ao ponto de ver a sua casa destelhada
em um dia chuvoso quando retornava do povoado. Trazia de lá alguns
alimentos que comprara e ao adentrar sua residência encontrou os
seus filhos sob a mesa se protegendo da chuva, pois o seu esposo
havia vendido as telhas da casa para comprar cachaça. No ímpeto da
raiva, ela quebrou aquelas telhas que ainda se encontravam pelo chão,
aguardando o novo dono pegar.
Após desistir da recuperação do seu companheiro, em uma madrugada,
saiu de casa com seus filhos e grávida da 6ª filha. Partiram com
destino a Jenipapo de Minas. Caminharam 6 dias e nesse percurso
recebiam ajuda por onde passavam. Em Jenipapo, foram acolhidos por um
parente que abrira a sua casa para recebê-los.
Com muita obstinação, trabalhou como lavadeira, cozinheira para
sustentar sua família. Aqui, se instalou com morada fixa e criou
todos os seus filhos, aumentando a sua prole. E ao desempenhar, tão
bem, sua importante tarefa de realizar partos, tornou-se rapidamente
conhecida por todos do lugar.
Sabedoria inata que manifestou após substituir sua mãe,
acompanhando uma parturiente que a ajudou a realizar aquele parto. A
partir daí, tornou-se mestra divina da luz. Luz que clareia os
caminhos da chegada, guiados pela divindade. Naquela época, Jenipapo
de Minas, um pequeno lugarejo, situado no sertão nordeste mineiro,
sem nenhuma infraestrutura hospitalar, ou melhor, nem médico tinha.
Com sua coragem e simplicidade realizou mais de 700 partos na região,
num processo natural, evitando procedimentos traumáticos para o
recém-nascido que, muitas vezes, deixam marcas para o resto da vida.
E fazia isso pelo simples prazer em ajudar as pessoas, pois não
recebia nada pelo trabalho. A sua disponibilidade e o seu
conhecimento muito contribuíram com toda a população desta
localidade, evitando deslocamento para outras cidades e perpetuando a
sabedoria popular.
Ela realizou também os seus próprios partos. Até 2011, atuou como
parteira e o último parto que acompanhou foi de sua filha em São
Paulo. Devido aos problemas de saúde e a idade, não desempenha mais
esta função, embora nunca deixou de repassar o seu conhecimento e
sabedoria a outras pessoas.
Hoje, é sócia fundadora da Associação das Parteiras Tradicionais
de Jenipapo de Minas e do Grupo de Consciência Negra Fé e Resgate.
Participou de simpósios e cursos de Parteiras Tradicionais em
Brasília, Recife, Salvador e Chapada do Norte. Ganhou em 2009, o
Premio Culturas Populares- Edição Mestra Dona Isabel.
Mulher acolhedora que traz nas marcas do tempo, histórias de
aflição, conforto e fé. Em suas palavras, observa-se sua
intimidade com Deus. Em nome Dele, é benzedeira e raizeira
praticante.
A arte de bordar a vida é sempre estampada em seu rosto por um
sorriso aberto e franco que enobrece sua alma e embeleza a sua
pessoa, contagiando todos que a conhecem. E a leveza do seu ser nos
faz repensar vários conceitos da modernidade e entender que
precisamos de pouco para sermos felizes: generosidade. Nisso resume
D. Gera.
Adna Figueiró Duarte
Urdidura em memórias, a relação dos fios constituindo um tecido de tantos presentes!
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