sexta-feira, 8 de março de 2013

D. Aruina, "uma coisa que nunca me faltou foi a corage."


D. Aruina, na tarde de ontem com a sua bisneta Jaqueline Aparecida Passos,
que ela recebeu em suas mãos e adotou como filha, e sua outra bisneta, Raissa
Leite Novais.



Ainda naquela tarde de quinta-feira, D. Aruina foi me contando dos oito filhos que teve, todos 
os filho meu eu tive só comigo, eu mesmo cortei os umbigo, eu mesma tirei os parto, tive vergonha sempre de me mostrar pros outro e até pro meu marido, num gostava que ele 
me visse daquele jeito, e nisso fui aprendendo e ezecutando o ofício de ser parteira, uma  
missão que Deus deixou para mim, ocê sabe, cada qual com o seu destino, com as suas obrigação, e ocê sabe, eu sempre tive muita corage, e graças a Deus, uma coisa que nunca 
me faltou foi a corage, só pra ocê ficar ciente, eu vou contar um caso procê como eu  
tenho corage:

O senhor conhece de piquizeiro, num conhece? Pois é, eu fui buscar piqui, mais
meu velho, meu marido, porque eu chamava ele de velho. Aí, nós fomos de madrugada
buscar piqui, aí, num foi nada não, aí, quando eu baixei dibaixo de um de piquizeiro,
como daqui naquele pau, aquele altão lá, e o outro naquele pé de carne de vaca, aí,
ele falou, ô velha, ocê fica neste de piqui, queu vou naquele lá, qui aquele pro ser
ir tem muito serrote e ocê cum esse barrigão, ocê pode ficar aqui, aí, eu falei, sim.
Aí, ele foi pra lá, aí, quando eu catando piqui, me passou uma dor me picando na
minha barriga, aí, eu falei, hem hem, ô meu Deus, será queu num vou levar piqui, aí,
quando eu vi, que diferançou, eu pensei, será que Deus querer e Nossa Senhora
lavai por nas minha mão, ô Nossa Senhora me ajuda, me força e a coragem.
Um meio saco, eu tava com um meio saco, fui dispejando no chão e fui panhando
a minina, do piquizeiro, nas bandas do de piquizeiro.
Num sei se ocê sabe... mas ocê sabe, aquele chapadão que vira lá pro Córrego do Pedro,
onde Gomes da Água Branca morava, onde Nenzinho de Gomes tem lavoura lá,
muito pra lá, adonde Joaquim Pedro, no Córrego do Pedro, onde qui Joaquim Barbosa
morava. Fui ganhar essa minina lá, enrolei ela no saco, aí, eu gritei meu velho: corre
velho, corre velho! Ei? Corre meu velho, corre velho, pegar o fiotinho da onça gritando
aqui e a onçinha miando, quele achou que era onça devera, porque tinha onça lá.
E aí, meu velho veio com o facão, rap, pap, rap, cadê mulher? E a minininha ué, ué, ué,
e é o meu velho, deixa diabo! Qualé bicha? Quando meu velho foi chegando, cadê velha?
Falei aqui, a minininha enroladinha no saco, meu velho, que a onça criou mais que eu.
Ô minha Nossa Senhora, e agora, comé que, ô velha, comé que nós vão imbora?
Nós vão imbora, velho, do mesmo jeito que nós veio, nós vai, eu vou levar minha minina,
piqui eu num vou levar, vou levar minha minina.
E vim cum a minininha enroladinha, vamo imbora que nós vão topar cum gente na estrada.
Eu falei, pode seguir na frente, queu sigo atrás, Não velha, mas ocê caminha devagar.
Não velho, se quer saber, deixa eu passar na frente qui ocê quer caminhar devagar e eu
num quero.Vim cum a minininha, ô gente, a distância desse piquizeiro é como daqui a
Jenipapo, e eu truxe a minha minina e hoje em dia ela é mãe de filha e é de neto, a
minina dela tem filho.
Eu não, uai, ocê num ouviu dizer que pra pirigo tem que ter corage, eu tenho corage,
porque se a gente esmurecer, fica pior pra gente, intão pega com Deus e Nossa Senhora,
boa guia da gente e vamo junto.


                                                                                                     Lori Figueiró
        



                       




Um comentário:

  1. Nossa, em frente a tantas cesarianas da vida contemporânea, esta descrição parece ficcção.
    Êta D. Aruina!

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