Mutuca, comunidade de Coronel Murta, manhã de
terça-feira.
Encontrei D. Maria
das Graças benzendo de
cobreiro sua neta
Mirella.
Os cumprimentos
no terreiro da sua
casa. Na cozinha, depois
do café servido
enquanto preparava
o almoço, arroz com
pequi, quiabo e o
feijão com torresmo,
ela foi rememorando
a infância, a convivência
com os avós, com
os pais e o
padrinho.
Naquele tempo,
seu Lori,
eu e meus
irmão, nós
tudo menino,
nós não
pudia conversar
com pessoa
assim da
sua cor,
clarim...
o trabalho
na roça
de sol
a sol,
até mesmo
nas águas,
só o senhor
vendo,
mas graças
a Deus,
nosso pai
e a minha
mãe, coitada,
criou nós
tudo
na exatidão,
como os
pais deles
criou eles,
tudo no
correto, na
honestidão.
Lembro muito
daquele tempo,
nós tudo
arreunido... num
volta nunca mais...
Um longo silêncio...
liguei novamente a minha
câmara e perguntei:
D. Maria quando
a senhora vai benzer
de cobreiro como é
que a senhora fala?
O senhor
sabe,
A reza
é o alimento
da nossa
alma.
Sem Deus
nós num
pode dar
um passo.
Reza Pai
Nosso, começa
com Pai
Nosso,
Ave Maria
e Santa
Maria. E aí
fala:
Lorença, infância,
buriti.
Passei a cabeça
e o cabo
do bicho,
cortei e matei.
Fala três
vezes. Lorença...
Reza Ave
Maria e Santa
Maria.
Repete:
Lorença, infância,
buriti.
Passei a cabeça
e o cabo
do bicho,
cortei e matei.
E aí
tá pronto.
Se a pessoa
tiver fé,
com três
dia o cobreiro
já acabou.
E a senhora
precisa rezar três
vezes?
Melhor três
sexta-feira ou
quarta.
E a senhora
aprendeu a rezar
com quem?
Com meu
pai, meu
padrim me
ensinou.
Meu pai
era benzedor,
sabia tudo
que era
benzenção, ele
sabia.
Graças a Deus
nós aprendeu
com ele.
Nós aprende
com as
pessoa mais
velha, né?
Os antigo
gostava muito
de rezar.
Hoje em
dia o povo
novato não
gosta muito
de rezar.
Registrando D. Maria das Graças falar
as suas palavras, me veio a lembrança de D. Maria Brauna,
benzendeira amiga da minha mãe,
curandeira da minha infância e da infância de meus
irmãos, e me lembrei ainda de seu único
dente, um canino onde ela travava um pedaço
de fumo e passava horas mascando aquele
pedaço de fumo enquanto nos contava estórias
de assombrações, narradas muitas vezes
enquanto ensaboava ou passava com ferro de brasa
a nossa roupa.
E como bem disse D. Maria das Graças,
Lembro muito daquele tempo... num volta
nunca mais...
Lori
Figueiró
Vygotsky nos traz que o ambiente social influencia nossa trajetória. O seu trabalho pelo Vale do Jequitinhonha Lori evidencia esta teoria. Parabéns!
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