quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Em Sucuriú, Ana Catarina de Souza, heroína do Vale












  





Ana Catarina de Souza, 88 anos em
sua residência.



Vós mulheres do Vale
( lavadeiras, artesãs, rezadeiras,
parteiras, parideiras de outras mais )
sois todas heroínas.
Escreveis com suor a própria história,
defendendo a pátria da vida
no peito, na dividida
numa luta
quasi sempre inglória.

Se todas fossem iguais a vós...

                                                    Gonzaga Medeiros










                                  





                                   Ana Catarina de Souza participando da
                                   Festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens
                                   Pretos de Sucuriú, Francisco Badaró, julho de 2013.



domingo, 22 de setembro de 2013

Geralda Martins Soares, mestra divina da luz.



 
Geraldinha parteira, D. Gera. Assim é conhecida a Sra. Geralda Martins Soares de 73 anos, mãe de 10 filhos, residente no município de Jenipapo de Minas.
Mulher de fibra que dedicou sua vida a favor da vida. Parteira tradicional, descendente de uma linhagem de parteiras. Herdou de sua mãe essa nobre missão.
Filha de família pobre que serviu aos grandes proprietários de terra no povoado de Granjas. Como afrodescendente e órfã de pai, não teve uma vida muito fácil. Trabalhou nos serviços mais rudimentares da fazenda: lavoura, moagem, torragem de farinha e outros.
Na flor da idade, 15 anos, conheceu o Sr. Francisco Rodrigues Cardoso com quem se casou e teve 07 filhos. Muito sofreu com o alcoolismo do marido que usava de violência para com a família.
Sofrimento tamanho que chegou ao ponto de ver a sua casa destelhada em um dia chuvoso quando retornava do povoado. Trazia de lá alguns alimentos que comprara e ao adentrar sua residência encontrou os seus filhos sob a mesa se protegendo da chuva, pois o seu esposo havia vendido as telhas da casa para comprar cachaça. No ímpeto da raiva, ela quebrou aquelas telhas que ainda se encontravam pelo chão, aguardando o novo dono pegar.
Após desistir da recuperação do seu companheiro, em uma madrugada, saiu de casa com seus filhos e grávida da 6ª filha. Partiram com destino a Jenipapo de Minas. Caminharam 6 dias e nesse percurso recebiam ajuda por onde passavam. Em Jenipapo, foram acolhidos por um parente que abrira a sua casa para recebê-los.
Com muita obstinação, trabalhou como lavadeira, cozinheira para sustentar sua família. Aqui, se instalou com morada fixa e criou todos os seus filhos, aumentando a sua prole. E ao desempenhar, tão bem, sua importante tarefa de realizar partos, tornou-se rapidamente conhecida por todos do lugar.
Sabedoria inata que manifestou após substituir sua mãe, acompanhando uma parturiente que a ajudou a realizar aquele parto. A partir daí, tornou-se mestra divina da luz. Luz que clareia os caminhos da chegada, guiados pela divindade. Naquela época, Jenipapo de Minas, um pequeno lugarejo, situado no sertão nordeste mineiro, sem nenhuma infraestrutura hospitalar, ou melhor, nem médico tinha. Com sua coragem e simplicidade realizou mais de 700 partos na região, num processo natural, evitando procedimentos traumáticos para o recém-nascido que, muitas vezes, deixam marcas para o resto da vida. E fazia isso pelo simples prazer em ajudar as pessoas, pois não recebia nada pelo trabalho. A sua disponibilidade e o seu conhecimento muito contribuíram com toda a população desta localidade, evitando deslocamento para outras cidades e perpetuando a sabedoria popular.
Ela realizou também os seus próprios partos. Até 2011, atuou como parteira e o último parto que acompanhou foi de sua filha em São Paulo. Devido aos problemas de saúde e a idade, não desempenha mais esta função, embora nunca deixou de repassar o seu conhecimento e sabedoria a outras pessoas.
Hoje, é sócia fundadora da Associação das Parteiras Tradicionais de Jenipapo de Minas e do Grupo de Consciência Negra Fé e Resgate.
Participou de simpósios e cursos de Parteiras Tradicionais em Brasília, Recife, Salvador e Chapada do Norte. Ganhou em 2009, o Premio Culturas Populares- Edição Mestra Dona Isabel.
Mulher acolhedora que traz nas marcas do tempo, histórias de aflição, conforto e fé. Em suas palavras, observa-se sua intimidade com Deus. Em nome Dele, é benzedeira e raizeira praticante.
A arte de bordar a vida é sempre estampada em seu rosto por um sorriso aberto e franco que enobrece sua alma e embeleza a sua pessoa, contagiando todos que a conhecem. E a leveza do seu ser nos faz repensar vários conceitos da modernidade e entender que precisamos de pouco para sermos felizes: generosidade. Nisso resume D. Gera.


                                           
                                                                                        Adna Figueiró Duarte
              






Jequitinhonha, "o rio das minhas manhãs" e a poesia de Celso Freire"





Os olhos do rio das minhas manhãs não se esqueceu de mim...
Nem a voz, nem o tato, nem os ouvidos, nem o cheiro...
Nem todos os sentidos...

Trago comigo a nitidez das cores,
Guardo o cheiro das traíras, dos currais e dos terreiros.
Ainda é meu o gosto de tantos temperos...

Hoje, pela manhã, um sabiá pousou nas minhas lembranças,
Ao meio-dia fiz o meu prato num fogão à lenha,
Hoje à tarde eu me encontrei com o pôr do sol,
Daqui a pouco vou brincar de amor com ela.

Vou nessas águas,
Vou remando pra diante...
Minha canoa não tem casco pra furar!


                                                     Celso Freire, O rio das minhas manhãs








                                                Jequitinhonha
                                                e as suas águas fluindo
                                                em minha pele.

                                                                 
                                                                                      Lori Figueiró